quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Sobre orixás, deuses gregos e educação

Certo dia, conversando com uma professora de História do Ensino Fundamental, fui levado a uma reflexão acerca da valoração de culturas diversas. O cenário era um colégio particular de classes A e B da região metropolitana do Rio. Na ocasião, conversávamos sobre um projeto escolar cujo mote era o livro Casa-Grande e Senzala, do antropólogo e escritor Gilberto Freyre. No início do projeto, a professora fez a seguinte pergunta para os alunos de 7º ano: "você namoraria alguém que tivesse ascendência africana, cujos avôs tivessem vivido em senzala, assim... que fosse totalmente diferente de você?" Só três estudantes levantaram o braço.

O projeto multidisciplinar mostrou as condições vividas pelos escravos, aspectos diversos do Brasil colônia - moradia, alimentos, vestimenta - e um quadro geral da cultura africana que, mesmo amplamente castigada pelo processo de escravização, ainda se mantém viva até hoje. A professora de História comentou os orixás africanos, ritos de consagração, entre outras coisas. No dia seguinte à explanação, pais foram à escola reclamar formalmente da atitude da professora. Pensaram que os filhos estivessem sendo iniciados em
Umbanda.

"Você vê o absurdo?", exclamou a professora para mim. "Expliquei a eles que eu só estava a exibir elementos da cultura africana e que isso fazia parte do programa, mas foi difícil: eles estavam revoltados pensando que eu estava 'sendo tolerante com a macumba' ou mesmo incitando os garotos a cultuar deuses africanos". Foi aí que a professora iniciou um relato sobre educação e alteridade. Uma das reflexões mais profundas a que fui levado decorreu da pergunta
por que os pais dão de presente aos filhos livros de mitologia grega e não de orixás africanos?.

A visão multicultural deveria estar presente nos âmbitos escolares, mas o episódio mostra que é uma realidade difícil de ser alcançada. Os créditos são dados aos profissionais que lutam pela educação de qualidade, como a professora mencionada. Ela comparou a deusa grega do amor,
Afrodite, a Iemanjá. Elas seriam muito parecidas ("sedutoras", "cabelos longos"...). De acordo com a professora, o desprezo por uma delas (no caso, a africana) é algo totalmente cultural, um conceito arraigado em nenhum fundamento, um preconceito.

E o preconceito ocorre em um país que se glorifica justamente em possuir uma cultura sincrética. O Réveillon é um ótimo exemplo do sincretismo religioso no Brasil. Na virada do ano, pessoas de diferentes religiosidades pulam sete ondas e depositam oferendas a Iemanjá. Passados seis meses, algumas vão à escola dos filhos reclamar da abordagem de orixás africanos pela professora de História. Há algo de errado aí.

No fim do projeto, a professora fez a mesma pergunta aos alunos: "Quem namoraria alguém totalmente diferente de você?". Com lágrimas nos olhos ela contou que, dessa vez, apenas um estudante não levantara o braço.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Sexo pop

Oh, it's so hot and I need some air
And boy don't stop 'cause I'm halfway there...

(Breathe on me - Britney Spears)


Pais australianos reclamaram do novo álbum da cantora, intitulado Circus, por conter letras impróprias para as crianças. A faixa criticada é a sexta – If you seek Amy. No refrão, Britney faz um jogo de palavras: All of the boys and all of the girls are begging to if you seek Amy (ouve-se a soletração de "fuck me"). É no mínimo contraditório pais darem de presente para seus filhos o cd de uma artista que já abordou masturbação em suas canções e depois reclamarem de "conteúdo impróprio". Meio desatualizados do cenário pop esses pais, no mínimo.


Ouça If you seek Amy

Veja a polêmica apresentação de Breathe On Me na turnê do álbum In The Zone


Existem diversos temas na nossa sociedade cuja discussão é velada. Um deles é o sexo. As canções e poesias que tratam da relação sexual costumam fazê-lo por meio de metáforas, elipses e eufemismos. O termo 'sexo' por si só já é um estigma; quem trata ou conversa abertamente sobre o assunto é, não muito difícil, tachado de depravado, infame ou repugnante. Quando a estrela pop Britney Spears começou a trocar a temática de suas canções para algo mais picante, principalmente partir de 2001 com o álbum
Britney, entrou em desgraça. Afinal, como manda o tabu, sexo é algo que, embora todos pratiquem, ninguém comenta. Não é à toa que diversos movimentos de transgressão [sexo, drogas e rock'n roll] fazem referência ao sexualismo.

Britney dá a cara e o corpo a tapas ao se aventurar na temática sexual. Ela não se envergonha por falar coisas que, afinal, ninguém pede para que sejam ocultadas. São tabus, preconceitos, situações em que agimos muitas vezes sem refletir – alguns diriam 'moral' e 'bons costumes'. Mas até quando são benéficos ao privar o ser humano de desejos e escolhas que, por fim, não estão associados (note: de modo intrínseco) a nenhum valor negativo?


E você, age sem saber o porquê e está satisfeito com isso? Que tal transgredir?